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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

FUMO

Há muito que tinha esperança numa edição em português, pois já o tinha namorado em castelhano. Felizmente existe a OQO. Hoje não resisti e é a minha última aquisição...
Absolutamente tocante...

“Sonho com um dragão verde de língua negra que me quer comer. As casas também são verdes, como a erva do nosso jardim que tem o baloiço, onde antes eu e o pai jogávamos à bola. Tenho muitas saudades dele. A mãe diz-me que em breve estaremos todos juntos.”

Tanto como os campos de concentração — com o que implicam de fome, frio, doença, violência e morte — interessa aqui um desses mundos pessoais e familiares que o nazismo destruiu, e que é das poucas coisas que tem cor frente ao cinzento cortante e ao silêncio.
Separação, solidão e saudade estão omnipresentes; a lembrança ajuda a fugir do isolamento e do desterro, e dá lugar — no inóspito do campo (lager) — ao amor, à amizade e à solidariedade: à humanidade, ao fim e ao cabo.
Se toda a violência está injustificada, a que põe fim à inocência ainda mais; contra ela, no processo de amadurecimento do protagonista, assistimos a um compromisso até à fusão com Vadío (única personagem com nome e etnia), que representa o reconhecimento no outro na catarse final.
O protagonista anónimo de Fumo descobre a realidade, mas filtra-a com a memória de um passado melhor. O despertar magoa-o e leva-o a uma aprendizagem rápida: a dureza e dificuldade da situação, e o instinto de sobrevivência obrigam-no a ser um menino responsável.
A inocência, mais que a impotência, marca o desenlace. Os inocentes não sobrevivem, dizia o Primo Levi; é o preço por ver a luz: a mão de Vadío apagando para sempre o medo e escrevendo com fumo uma palavra mágica sobre o céu da Polónia.
Uma comovente história de Antón Fortes com intensas imagens da polaca Joanna Concejo, de grande sensibilidade e beleza, apesar de reflectir a realidade do protagonista, que se torna mais dura ao enfrentá-la recorrentemente com lembranças da vida de onde foi ou foram todos arrancados.

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